terça-feira, 1 de setembro de 2015

Baixa-Chiado


 Por sugestão de uma fã, decidi escrever algumas linhas sobre este local.
Estamos na Baixa-Chiado, coincidentemente o local onde trabalho e onde me sinto constantemente vigiado pela mesma Pessoa, sentada no seu local do costume, julgando tudo e todos mas sem nada dizer. Apenas observa e escuta.

Pois bem, hoje vim à varanda do meu trabalho e mais uma vez o vi lá, no seu local do costume, ali estático, vendo a vida em Lisboa. Decidi que hoje ele não ficaria sozinho e lá desci o prédio e pedi-lhe autorização para lhe fazer companhia e partilhar a sua perspectiva ocular e auditiva.
Ele nada disse mas deixou o lugar junto do dele vazio. Tomei aquilo como um sim e sentei-me.

Ali deixei-me estar um pouco. Tentei fazer conversa com ele mas recebia apenas silêncio, enquanto no olhar dele via ele a observar vivamente o que se passava à volta.
Segui-lhe o exemplo.

Vi pessoas apressadas a subir e descer a rua, com sacos de compras nas mãos.
Vi pessoas a correrem em direcção ao eléctrico que se preparava para partir.
Vi pessoas a fazerem sprints enquanto olhavam para o relógio e desciam o túnel de acesso ao metro.
Vi movimento.
Aqui podíamos captar talento para as provas de qualificação para os jogos olímpicos de atletismo.
Mas não vi pessoas.

Vi seres robotizados, automatizados, que se desligavam do mundo e ligavam-se à corrente, como carros que não têm travões. E admito, fez-me impressão.
Eu gosto de falar bastante e sei que posso ser chato mas ver "pessoas" que agem como máquinas e não têm tempo para parar e atender o telefone ou mesmo tomar o café com calma.

Aqui sentado ou lá em cima no 4º andar do prédio, não vejo pessoas: vejo formigas.
Cada uma com a sua tarefa e a executá-la o mais depressa possível antes que aconteça um imprevisto e lhes estrague o dia, antes de dizerem um palavrão ou outro para o ar.

Aqui invejo o senhor ao meu lado na cadeira. Todo o tempo do mundo, aparece aqui, senta-se e observa o mundo em redor. Traz sempre um caderno e uma caneta no bolso e por vezes parece apontar algo. Não lhe pergunto o que escreve, pois provavelmente não me ia contar mas sinto que ele escreve o que ninguém vê, o que ninguém sente. Escreve sobre a vida.

Fixamo-nos em lojas, em trabalho, em correrias, que não ligamos aos pequenos momentos que acontecem quando paramos para respirar. Seja uma chamada de um amigo, um pequeno obrigado, um beijo de um familiar ou algo, ignoramos para fazer maratonas.
Quem corre por gosto não cansa mas aqui corremos por não nos lembrarmos do porquê de corrermos.

E aí, devemos ter essa humildade de(o) Pessoa.
Faça chuva, faça sol, seja dia, seja noite, ele aqui aparece e senta-se. Observa e escuta sem nada dizer.
A aprendemos mais com o silêncio dele do que com as maratonas que fazemos.
Convido-vos a passar uns minutos com ele ali sentado. Vale a pena a experiência e a sabedoria dele.

Um bem-haja a todos.

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