sábado, 4 de junho de 2016

Tinta Hipócrita


Se há algo que me tenta, que me provoca, que me seduz mas que lá no fundo me questiona se sim ou não é ter de ouvir uma vozinha pequena, bem pequena, que lá no fundo da minha subconsciência me diz que devo arranjar uma tatuagem. Fui educado a manter o meu corpo afastado de tatuagens e piercings e outras coisas desse género, pois era um desperdício de dinheiro e só danificava o corpo.

Mas há bem pouco tempo, comecei a me aperceber que no meu grupo de amigos, sou um dos últimos resistentes a não ter tatuagem. Sempre me rodeei de gente que amava tatuagens ou que já tinha algumas mas eu recusava assistir a uma sessão dessas ou até mesmo fazer uma minha, pois não queria falhar em termos de educação em casa, pois fora educado a nunca fazer uma.

Mas cada vez mais esta pequena voz se vai fazendo ouvir e a tentação vai aumentando. Eventualmente talvez terei uma tatuagem mas a que custo? Sacrificaria a relação que tenho com os meus pais e faria esta afronta aos valores conservadores deles ou continuarei a resistir à tentação de injectar tinta permanente no corpo?

Não existe momento certo para tomar uma decisão destas. Apenas é preciso arranjar o local certo no corpo e o desenho intemporal. Porquê intemporal? Porque não quero fazer uma coisa destas e daqui a vinte anos olhar-me ao espelho e arrepender-me e querer apagá-la. Se fizer algo, é para ser eterno e com significado. Mas antes de escolher a imagem, quero perder peso para ter a pele lisa e ser mais fácil de tatuar (e talvez menos doloroso). 

Não é fazer a tatuagem agora e depois emagrecer e com isso, encolher a imagem feita. E antes mesmo disso, é tomar a decisão definitiva e irreversível de a fazer e de enfrentar todos os valores conservadores familiares, pois mais cedo ou mais tarde, irei ser julgado por tal. Mas terei que admitir que se algum o dia a fizer, estarei a ser, no mínimo, um hipócrita.

Quando namorei há uns anos atrás, a minha namorada da altura fez uma tatuagem e eu não tinha opinião na matéria. Apenas gostava de ver tatuagens mas não queria fazer nenhuma nem assistir ao processo nem nada. E aos dias de hoje, ela nunca me perdoou eu não ter assistido ao nascimento da sua tatuagem. Era e continuará a ser uma tatuagem muito bonita mas não me queria deixar tentar fazer uma e francamente, eu estava chateado com ela na altura mas não é essa a questão.

A questão era ela querer mudar-me e transformar-me num aventureiro, que viajaria em todas as estações do ano, que fizesse tatuagens, andasse de mota e andasse em montanhas-russas. E eu recusei-me a mudar por ela. E amava-la. Durante mais de três anos amei-la como nunca tinha amado alguém e todo o meu tempo livro era dedicado a ela.

Mas não conseguia dizer não aos meus amigos sem provocar uma discussão com ela, nem era capaz de andar de moto (Ela tinha uma moto mas acabou por a vender por mal andar nela e em parte, sinto que a culpa foi minha. No entanto, ela já tinha a moto e já andava nela há bastantes anos antes de me conhecer, portanto aqui não aceito culpas), devido a um trauma de infância.

Até hoje, não sou capaz de tirar os pés do chão sem ter ataques de medo, pânico e gritar como uma adolescente histérica em ovulação num concerto do Justin Bieber ou dos One Direction, enquanto canta(m) e me olha(m) fixamente nos olhos e pisca(m)-me o(s) olhos(s). 

As pessoas não mudam, adaptam-se. E peço desculpa a ela por não ter assistido à tatuagem dela e peço desculpa por aqui, sabendo que nunca irás saber mas desculpa ser um hipócrita e em breve, talvez realize uma tatuagem e te faça odiar-me ainda mais. Chamei-te hipócrita e mimada (e mantenho esses defeitos em ti) mas não seria um homem se não admitisse que também sou hipócrita.

E isso sim: admito que sou. Hipócrita por não ter visto a tua tatuagem e do facto de eu ir fazer uma e de ser egoísta por nunca te deixar ver a minha ser feita nem já feita, num dia futuro. Portanto, talvez em breve, serei injectado com tinta. E cada vez que olhar para o desenho, me lembrarei do hipócrita que fui, que sou e de que sempre serei.

Mas também me dará forças para acreditar que tomei todas as decisões certas e que tenho todo o direito em fazer uma tatuagem, mesmo que vá contra os meus pais ou mesmo contra ti.

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