Algures num polidesportivo perto de ti, noite calma e ventosa.
O tempo está a escassear.
Estou a fazer uns cruzamentos desde o meio campo para a área.
A bola sai torta mas está a pingar na meia lua. Mas é sempre recambiada para os meus pés. O ataque não sai, estamos a precisar vencer mas o nulo persiste.
Para entenderes o quadro táctico, jogas a ala esquerdo, defender mas apoiar o ataque se necessário.
Carrega, aperta com eles.
Agora a sério, estou a ver se parto os atacadores.
Mais uma bola enviada por cima sem nexo.
Acho que o árbitro apitou fora de jogo e não ouvi e corro atrás do lance perdido.
Provavelmente, vou rematar a entrada da área.
Eu acho que na realidade irá ser o golo da vitória a sair dos meus pés.
Mas na altura tive medo. Não tenho a técnica dos meus colegas ou a habilidade de jogo mas acredito neste momento ser uma boa ideia.
E até ao momento, não vejo alguém que mexesse tanto no jogo e vejo um buraco na defesa...
Portanto, sim: Rematar ou Passar a bola nessa falha defensiva instantânea.
Mas a realidade é óbvia : eu estou destinado para ao golo. E quando me aparece a hipótese de ser o herói, eu fiquei super feliz, pois a hipótese está ali. A hipótese de ser brilhar.
Vou para o golo.
Corro. O mister grita para eu parar, para passar a bola e acreditar no jogo paciente.
Mas eu ignoro ele e sigo o instinto. O meu coração começa a palpitar mais rápido e faz falhar alguns batimentos.
Furei a defesa...
O defesa tira-me o pão da boca e arrisco-me a levar golo no contra-ataque mas pronto, arrisquei. Corro para trás e vejo. A bola vai e... Acerta no poste e volta para o campo. Volta para mim, que me encontro isolado...
Tento cruzamento rasteiro para a entrada da área...
Bola a pingar na área.
Bate no defesa, sobra de novo para mim. Não sei de onde venho buscar esta energia. Estou cansado mas adrenalina me mantém convicto que é o destino. Que é o meu momento.
Remato, passo, não sei... Caminho não parece tapado mas a defesa aproxima-se rapidamente. Cruzo alto...
Guarda-Redes a guardar bem a baliza e a manter a socar a bola na área.
Zona de perigo, sobrou para ti. Rematas sem pensar duas vezes face à baliza meio aberta.
Defesa do guarda redes, a bola ainda circula na pequena área...
Ainda há oportunidade, ainda há perigo, a defesa reposiciona-se, há contacto.
Hesitação pára. O árbitro apita... Será grande penalidade? O caos instala-se e o árbitro vai verificar o vídeo árbitro. O VAR confirma a decisão.
Tu colocas a bola na marca mas sorris e voltas a pegar na bola e me entregas ela. Boa sorte. Mereces.
Não esperava? Esperava. Anos e anos no duro dos treinos. Demasiado tempo no banco. Voltei a ser lançado após meses e meses de ausência. E soube que seria eu o herói. Soube e tu me confirmaste.
Respiro fundo e coloco a bola na marca.
Olho nos olhos do guarda redes que parece convicto que irá defender. Mostra-se intransponível. A baliza parece pequena.
Afasto-me, ganho balanço e a baliza subitamente aumenta o tamanho.
Estou confiante. É o meu momento.
O árbitro apita...
Começo a correr...
Há o remate...
Para a direita...
O guarda redes estica-se...
Ele dá uma palmada na bola mas ela continua...
Embate no poste...
Mas ...
A bola está à mercê...
O guarda-redes levanta se e corre para a bola...
Eu corro...
O estádio grita, os defesas e os meus colegas entram na área.
Mas sou eu contra o guarda-redes, um para um clássico.
É...O...MEU...MOMENTO!!!!!!!!!!!!!!
Ele atira-se mas consigo tocar primeiro e a bola passo por baixo dele...
A bola caminha para a direcção da baliza...
Acabo por cair com o contacto involuntário do guarda-redes mas viro-me e vejo a bola em câmara lenta.
Olho em redor, todos estão parados, os treinadores tentam gritar algo, o público levanta-se devagarinho...
Volto a olhar para a bola, empurro-a com a os olhos, uso a força que tenho e grito: "ENTRA!".
E...
A bola passa junto ao poste mas ao lado...
O árbitro apita e acaba o jogo.
Um empate que não sabe a nada.
Por uns instantes, tudo fica silencioso.
Sei que há barulho mas eu ali estou imóvel olhando para o holofote em mim apontado, a mostrar que não fui suficiente. Que não sou suficiente. Que nunca serei... o jogador...
Um mão quebra a luz.
Olho e vejo o guarda-redes a sorrir.
Aceito a mão e ele ajuda-me a levantar.
Ele troca a camisola dele com a minha.
Ele dá-me umas palmadas nas costas e dá-me os parabéns.
Vemo-nos na próxima época.
Ele abandona o campo.
Ali estou, sozinho na área, com a bola deitada na malha lateral da baliza.
Pego na bola e entrego ela ao árbitro.
Desço ao balneário.
Tudo escuro.
Entro no balneário e todos se calam.
Apenas me desequipo, tomo o banho e me visto.
O mister me espera lá fora.
Ele pede-me o equipamento.
E entrega-me um documento.
E manda-me embora.
Abro o papel no parque de estacionamento, no carro.
Contrato de Co-Prioridade da Equipa Rival de hoje.
Contrato de 3 anos para accionarem a cláusula e ficarem comigo.
Deixo cair o papel e as chaves do carro...
Sem comentários:
Enviar um comentário