"_ Outra vez não".
Dizia ele a meio de mais uma noite a acordar e adormecer, numa rotina que cada vez se torna mais diária. Lá ele caminha aos trambolhões e apalpões pelo escuro que decora a casa enquanto o relógio ao fundo marca em tom avermelhado pouco mais de três horas da manhã.
Mas lá ele chega à casa-de-banho e faz a única coisa lógica que lhe passa pela cabeça: ele despe-se todo e enfia-se na banheira, debaixo do chuveiro, esperando que a água fria que lhe escorre pela cabeça abaixo arrefeça a mente e lhe arrepie todos os demónios e pensamentos que lhe vão naquela cabeça, que mais uma vez, prevalecem sobre o bom descanso de muitos.
Lá fora nem um barulho se ouve. Apenas escuridão tingida pelo breve luar que espreita por detrás de uma e outra nuvem mas ele nem olha pela janela. Ele nem acende qualquer luz. Ele apenas se encontra sozinho naquele chuveiro, às tantas da manhã, a torturar-se com aquela cascata fria que lhe escorre pela cara, costas e todo o corpo.
Na realidade, ela o deixou há bastante tempo.
Na realidade, na mente dele ela continua a reaparecer sem convite e o seduz uma e outra vez, relembrando os bons momentos e dando vislumbres de possíveis futuros que podiam ter acontecido.
Antes claro, de lhe mostrar tudo o que ele de mau fez e aconteceu para estragar a relação com ela e passa agora a vida a visualizar momentos de romance entre ela e o outro. Ele bem fecha os olhos mas ela ganha cada vez mais imagem na cabeça dele.
E apenas a água fria e a sua dor conseguem fazê-lo esquecer ela e dar toda a sua atenção ao frio que lhe consome o corpo. E ali ele se senta, no canto do mármore branco, com o chuveiro apontado para ele, com a torneira a correr. Ele nem sabe o que lhe espera da conta da água, mas sabe o que lhe espera no momento em que fechar a torneira: Espera-lhe ela.
Ele a havia esquecido. Mas na mente fraca dele, ela se tornara uma memória forte e brutal, sem dó nem piedade, e apesar da misericórdia pedida por ele, ela lá vinha uma e outra noite o relembrar, que não existiria nunca um final feliz entre eles. Nem entre ele e qualquer outra, pois ela iria continuar todas as noites a passear pelas memórias inconscientes dele.
E por muito que ele saiba que é apenas um fruto da sua imaginação, que ela pouco se importa com ele e que ele já nada sente por ela, ela lá está presente para lhe seduzir mais uma vez e o torturar, não lhe permitindo seguir em frente.
Ali ele adormece, sentado no canto escuro do chuveiro, enquanto a água fria lhe congela o corpo e o leva para um estado de dormência hipotérmica. Ele não sabe se irá acordar mas ele não quer saber, pois prefere não abrir mais os olhos do que voltar a olhar e vê-la...

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