terça-feira, 24 de maio de 2016

Ramos em Cinzas

 
Não sei o que te passou pela cabeça. Vi angústia, raiva, lágrimas de tristeza a evaporarem-se tal era a raiva que fazia o teu sangue ferver. A gravata já desatada e a camisa fora das calças davam sinais que tinhas saído da maior luta da tua vida e pela tua expressão facial, tinhas sido derrotado e humilhado.
 
A estrada estava deserta e o calor mantinha colada a borracha dos pneus do teu carro ao alcatrão, enquanto se mostrava uma paisagem desértica, contrastada apenas pelos prédios envolventes e pelo relógio da igreja a soar as badaladas das seis da tarde.
 
Tentaste mas nem foste capaz de acender o cigarro que querias fumar, como deve ser, para te poder talvez aliviar o stress e os nervos mas foi pior. Frustrado, acabas por deitar o cigarro inteiro e mal aceso ao chão e esmagá-lo com a sola do teu sapato, com toda a força que possuías e se fosse mais um bocadinho, talvez tivesse criado um novo acesso aos esgotos da zona.
 
Atravessaste a estrada sem olhar, sem te preocupares se viria algum carro em andamento e francamente, não te querias importar. Haveria alguém que sentiria a tua falta se algo acontecesse mas naquele instante, pelo teu andar e pelo ramo de flores algo destruído que tinhas na mão, faziam crer que a pessoa com que tu mais te importavas tinha deixado de se importar contigo e feito todo o teu mundo ruir.
 
Cansado e frustrado, caminhaste em direcção ao contentor do lixo e atiraste o ramo para dentro dele e esmurraste-lo para bem fundo o tal símbolo do teu amor partido e esmurraste o contentor por não conseguir fazer desaparecer o ramo mas principalmente por não ser suficiente para fazer desaparecer toda a dor que sentias e fazer-te esquecer todas as memórias que tiveste e que te levaram ao momento da entrega do ramo, se é que alguma vez chegaste a entrega-lo.
 
Provavelmente chegaste a casa mais cedo, a encontrar ela te esperando e fazendo-lhe uma surpresa agradável. Mas o mais certo é o errado e foi teres apanhado ela na cama com outro. Não fizeste barulho, apenas ficaste especado e quebrado, enquanto vias os lençóis se revolverem e encontrares ela nos braços de outro homem que não tu.
 
E sem um som produzido teu, no meio dos gemidos dela, saíste de mansinho, de ramo apontado ao chão, porta fora e guiaste sem concentração nem destino. Acabaste por chegar ali, naquele instante em que eu te encontrei. E ao ver-te assim e ao imaginar a história, não pude deixar de sentir compaixão e um pouco compreensão, uma vez já vivi essa situação.
 
E a minha reposta foi querer-te abraçar. Não me conhecias  de lado nenhum nem eu a ti. Mas naquele momento, ambos sabíamos que precisavas. Dizem que os homens não choram (ou não devem chorar, pois demonstra fraqueza) e são fortes e frios por dentro e por fora. Mas isso é mentira, talvez uma das maiores que alguém possa ter contado, para justificar situações como esta.
 
O homem é um ser humano, guiado pela lógica mas gerido pela emoção. E vendo o desenlace da história, a emoção se teria apoderado da razão e conseguido no meio daquilo tudo, te partido o coração. Mas não parei. Baixei a cabeça em sinal de respeito, como se de um funeral se tratasse (e de certa foram, era o funeral do teu amor por ela) e segui caminho, deixando-te entregue ao calor, às lágrimas que caíam do teu rosto e que se evaporavam antes de chegar ao alcatrão.
 
Deixei-te, assim como ela te deixou, sem se preocupar com o passado, presente ou futuro. Deixei-te e tu provavelmente, naquele momento, deixaste de pertencer ao mundo, assim como o mundo deixou de te pertencer. E à medida que fechavas a tampa do caixote e regressavas ao carro, olhaste uma última vez para a beata que deitaste fora e esmagaste-la com força outra vez e entraste no carro, arrancando prego a fundo em direcção a destino incerto, deixando o que restava do cigarro se extinguir, assim como o teu amor por ela se extinguiu.

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