sábado, 16 de janeiro de 2016

Bebedeira




Chega!
Fartei-me de estar em casa a remoer as feridas.
Apesar de tomar antidepressivos, continuas a fazer mossa por dentro.

Farto de remoer os sentimentos.
Farto de abrir as feridas e de as ver lentamente cicatrizarem-se.
Demasiado lentamente.

Por vezes, nas pequenas coisas te revejo.
Por vezes, eu próprio te vejo no espelho.
Espelho fora e partido em múltiplos pedaços.

Pedaços que me acabam por cortar a pele.
Mesmo a sangrar, vou para a cozinha.
Abro a garrafa de whisky que prometemos beber quando morássemos juntos.

E pego num copo e verto a bebida.
Abro a porta do congelador e arranco pedaços de gelo que se acumulam por lá.
Pintando o seu interior de pequenas gotas vermelhas.

Junto o gelo ao copo e sento-me no chão.
No canto mais escuro e frio da cozinha.
De luz apagada e janela aberta, deixando o vento gélido entrar e me aquecer.

Levo o copo à boca e engulo o sabor amargo da bebida.
Misturada com o sangue que ainda escorre dos meus pulsos.
Mas não me consigo importar menos comigo mesmo.

Sofro, sofri, sofrerei.
Para onde olhe, consigo ver algo que me recorde de ti.
Mesmo que tenha seguido em frente, parte de mim sente a tua falta.

E olhando para o fundo do copo vazio.
Relembro-me do fim da nossa relação.
E atiro o copo com força contra a parede e grito.

O copo estilhaça-se todo, deixando vermelho e castanho na parede.
Pego na garrafa e bebo directamente.
Não devia beber, não costumo beber mas preciso de o fazer.

Nunca me embebedei.
E tenho medo de o fazer sozinho.
Não conheço limites ao meu corpo.

Mas que se fod*!
Mereço saborear essa dor amarga.
Levo uma e mais uma vez a garrafa aos lábios.

Sinto o ardor que a bebida provoca no peito.
Mas dizem que o que arde cura.
E volto a emborcar.

Sinto-me zonzo.
Oiço fogo-de-artifício.
Feliz Ano Novo, penso eu.

Mas será o primeiro ano sem ti.
E os foguetes ecoam na minha cabeça.
Sem forças, a garrafa escorrega da minha mão.

E transforma-se num tapete.
Fecho a janela e fecho os olhos enquanto me viro.
Acabo por pisar metade da garrafa partida.

Agarro o pé e acabo por me desequilibrar.
Batendo de cabeça na mesa de mármore e parando no chão.
E ali fico de olhos abertos.

Entre vidros, poça de álcool e sangue.
Devia chamar o 112.
Mas não sinto nem força nem necessidade de me levantar.

E ali me deixo ficar.
Enquanto sinto os olhos a fechar.
Feliz Ano Novo.

Nova resolução: não tocar mais na bebida sozinho.
Agora vou dormir.
Até amanhã . . . Se acordar . .

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