segunda-feira, 6 de abril de 2020

753

Talvez seja a falta de noites bem dormidas.
Talvez seja o excesso de testosterona.
Talvez esteja a dormir e já tenha a caixa de sonhos cheia.


Estacionei. Conduzir em modo automático, a dormir ao volante é super perigoso e não recomendável. Mas tenho de ir trabalhar, transportes são escassos e não há alternativas viáveis.

A viagem foi curta. Tenho um autocarro à espera noutras paragens.
E cá vou eu, meia dúzia de gatos pingados.
Não começasse logo a chover enquanto espera o autocarro.



Não sei, sinto-me melancólico.
Ou quererei eu dizer apático?


Sim, apatia, moleza, inércia.
Inerte ao ponto de me deixar sentar num dos múltiplos lugares do autocarro de fechar os olhos e deixar-me levar pelos sons do motor até ao outro lado.



Acordo na paragem seguinte.
Pela janela nada se vê, observa, contempla.
As portas abrem, as pessoas entram.
Volto aos meus sonhos.

Sou interrompido.
Abro os olhos.
Tu sorris.
Por um breve instante fico surdo.


Tu sentas-te ao meu colo.
Sorrimos e tu aninhas-te no meu pescoço.



Dou-te a mão.
Fechamos os olhos.
Tudo parece calmo.
Tudo é tão escuro.



A música muda.
Algo mais animado.


Abro os olhos.
Tu já não estás.
Mas eu estou no meu destino.

Saio do autocarro.
Sem olhar para trás.
Não espero uma explosão.
Mas soube-me bem aqueles 753 segundos de pura fantasia.