Frio Estúpido

Eu admito: sou estúpido.
Mas admito: não mudo nem uma vírgula no que sou.

Há quase dois anos que ando solteiro. Muito por minha culpa. Porque senti necessidade de me castigar, depois do que aconteceu. Consegui pegar na melhor pessoa que entrou na minha vida e na melhor coisa que ela me deu e torná-las repelentes a mim. Não é que tenha toda a culpa, uma vez que fui o único que quis salvar a situação mas tive o que mereci. E com isso, aquele manto invisível e frio que teimava em arrefecer-me, conseguiu finalmente congelar-me por fora e por dentro.

Já há muito que não falava dela. Mas estou cansado demais para lutar contra os meus pensamentos e meus demónios. E apesar de ter aceitado que ela está melhor sem mim e ambos estamos melhores assim, continuo sem conseguir dormir como deve ser. Continuo a ser frio, seco e cruel para as pessoas que mais se preocupam comigo, desde familiares, passando por amigos e claro, afastando qualquer mulher que pareça ter um mínimo interesse por mim. Resumidamente, cresci. Cresci para ser um grande idiota.

As circunstâncias me moldaram assim e eu deixei-me ir. Porque é mais fácil refugiar-me na minha sombra e deixar o controlo do meu corpo a cargo de algo exterior a mim, do que voltar a colar os mesmos pedaços de mim que me faziam sorrir. Engraçado, digo eu mantendo uma expressão triste, cansada e sonolenta, sem mexer um músculo facial. O que eu mais preciso é de sorrir, de optimismo, de saber ou parecer saber que tudo irá correr bem.

Mas o que me faz sorrir são jogos de consola ou vídeos de youtube, onde me rio com a desgraça alheia ou com a estupidez do ser humano. Rio-me sabendo que sou um homem simples e que me sinto superior quando descubro que existem idiotas superiores a mim mesmo. Mas deixo de ser idiota por saber que existem pessoas assim? Provavelmente sim, pois por comparação, sou uma pessoa normal. Mas sinto-me idiota. Seja pelo que me tornei, após tomar o caminho fácil da solidão e auto-destruição, seja por me comparar e reconhecer com(o) idiota(s).

Espero que esteja tudo bem contigo Xana. E que nunca deixes de ser quem tu és: uma mulher mimada e hipócrita mas sincera, simpática e mulher que fez de mim quem eu sou.

Mas peço-te que me deixes. Deixa de interferir nas minhas amizades, naquilo que gosto de fazer, como jogar futsal, treinar os rapazes, praticar wrestling. Deixa-me ser quem eu sou e principalmente, três coisas: 

_ Deixa-me voltar a ser quem eu era, o homem doce, simpático, tímido mas disponível e nada frio que eu era. 

_ Deixa-me fazer o que eu gosto sem teres de aparecer na minha mente e destabilizar-me fisicamente, psicologicamente e mentalmente, ao ponto de me quebrares.

_ Deixa-me seguir o meu caminho e relançar velhas e novas amizades e talvez até encontrar alguém que me faça feliz como eu um dia te fiz feliz.

Talvez quando isso acontecer, finalmente me darás aquilo que me falta: sossego e um sono profundo, sem interrupções durante a noite. Apenas um sono calmo, relaxante e saudável. É o que procuro. É o que te peço.

Compra-se Sono

Alguém tem comprimidos para dormir?

Estou um bocadinho farto de acordar a meio da noite, todas as noites, e apesar de cansado e com sono, não conseguir readormecer pacificamente.

É sempre uma batalha desgastante voltar a entrar em sono profundo e quase sempre não vale a pena, uma vez que o despertador toca pouco tempo depois.

Acabo por ser um hábito ao qual não consigo me habituar. A paragem do tempo naquele metro quadrado onde me encontro, escuro e pesado, não facilita. Dezenas de pensamentos me vêm à cabeça. Será do stress que não durmo? Mas stress de quê, se não, tenho nada com que me preocupar? Nunca levo trabalho para casa nem penso nele fora do horário laboral. De resto, ainda não tenho outras preocupações. A maior deverá ser mesmo saber que vou fazer depois do trabalho: se ligo o computador, a playstation ou vou a casa de um amigo.

Acabo sempre por me levantar, beber um copo de água, lavar a cara e voltar a insistir em descansar uma ou outra hora. Mas aquele espelho parece reflectir alguém diferente de mim. Parece que vejo alguém muito mais velho que eu, cansado, pedindo que eu durma para ele não ter de se levantar e vir colocar-se do outro lado vidro, sempre que me coloco em frente do espelho. Mas parece que estou demasiado cansado para me importar, o meu corpo parece-me ignorar e lá continuo eu a meio da noite a acordar.

Bem, desculpem vos acordar com os meus problemas.

Se alguém mais tiver dificuldade em adormecer, diga algo e vemos um filme ou assim. Sempre se faz algo para ganhar o sono, fortalece-se amizades e tudo é melhor acompanhado que sozinho.

Excepto ir à casa-de-banho. Aí quero estar sozinho e em paz e sossego.

Gaveta Fechada

Bom dia linda. Bem, para saberes que realmente és tu, vou chamar-te Margarida. Porquê esse nome? Porque era o nome que teria neste momento se tivesse nascido rapariga e porque quando falo contigo, sinto que estou a falar comigo. Que estou a falar com um pedaço de alma meu que não me pertence mas que me é igual, que me completa, que me revejo nele.

Bem Margarida, tenho palavras para te dizer, mas sei que mal tens tempo para ler, portanto tentarei ser breve mas directo, e acima de tudo, honesto e sincero, como tu mereces e como sempre o fui para ti.

Aqui vai:

Já nos conhecemos a algum tempo. Sinto que nos sentimos há pouco tempo mas que já nos conhecemos há mais que isso. Ou que nos conhecemos há muito tempo mas a cada dia que passa vamos descobrindo algo de novo sobre um e outro. Acho que o tempo não é uma boa medida de avaliação para o que te quero dizer.

Em vez disso Margarida, vou usar as tuas palavras.

Sabes que podes confiar em mim, que sempre fui honesto e frontal e sabes mais coisas sobre mim do que muitos dos meus amigos. Confio em ti ao ponto de ter convidado a sair num encontro (sim, com essas palavras) e tu teres aceitado, sabendo que eu iria ter contigo, estivesses onde estivesses. 

Mas ultimamente tens-me guardado numa gaveta fechada. Não tenho uma luz tua, uma mensagem, uma palavra carinhosa, uma letra até. Silêncio e vento é o que tenho de ti. 

Magoa mas acaba por passar assim que abres a gaveta e me deixas respirar e absorver o teu olhar e a doce melodia que é a tua voz e o teu sotaque. Sim, já te disse o quanto adoro o teu sotaque?

Mas já há algum tempo me vejo envolto no escuro, sem saber se algum dia voltarás ao quarto, debruçares-te sobre a mesinha de cabeceira e, acendendo a luz, me retirarás da gaveta e me colocarás a teu lado, no teu bolso, na tua mão ou mesmo frente a ti. Aí, não me importarei que a luz se apague. Porque mesmo que esteja tudo desligado, o teu brilho no olhar é luz suficiente para me aquecer o coração.

Retira-me da gaveta e decide se me queres contigo ou se me deitarás fora. Mas não me deixes ao escuro.

Tenho saudades tuas mas não posso ficar aqui fechado, no silêncio e ao escuro tanto tempo.

Se me queres, vem-me buscar.

Apressa-te, a madeira da gaveta está a ceder da humidade que causo com a tristeza do meu olhar e da solidão da tua ausência.

E pouco a pouco, vou poder escapar.

Mas eu te quero. Vem-me buscar.

Não por favor mas sim por amizade?
Ou talvez, até mesmo por . . . amor?